sexta-feira, 15 de maio de 2009

Lavou, tá novo

Encontrei num e-mail, do fim do primeiro semestre de 2005, um conto besta (mais um) que escrevi a pedido de alguém e, como não tive coragem de mandar, guardei.

Arrumei algumas coisas porque estava meio hardcore e resolvi postar. É meio longo, mas não tem continuação (ufa!).

Segue, abaixo.


Há alguns meses ela tentava se esquivar das incansáveis investidas do conhecido que trabalhava na sala ao lado. Parecia que ele percebia quando seu trabalho havia terminado para passar por ali e puxar algum assunto. Ou quando ela saia para tomar um café na lanchonete, 11 andares abaixo do escritório em que trabalhavam. Até mesmo quando ela precisava levantar para pergar alguma coisa que passava perto da sala dele, ele estava ali, de prontidão, para falar alguma gracinha.
Com o tempo, Clarissa foi se acostumando e quase não ouvia quando Pedro bancava o sedutor barato. Vezes ria, vezes, simplesmente, ignorava.

Foi na confraternização de fim de ano que alguma coisa mudou. Assim como todas essas festas, podia-se notar o lado não-profissional das pessoas, num momento quase espontâneo de felicidade, não fosse pela bebida que a empresa estava pagando.

As que se faziam de santa já estavam prestes a dançar em cima da mesa, as mais atiradas jogando todo o charme nos patrões, as casadas dançando frenéticamente na pista e Pedro conversava e gesticulava enquanto carregava entre os dedos, um cigarro quase no fim.

Ela tentou, mas não conseguiu evitar de observar o comportamento dele. Parecia que, naquele momento, a imagem que tinha dele foi desfeita. Pedro, até então, era basicamente homem de academia, preocupado com a aparência e nada preocupado com o vocabulário. Chega a soar ignorante ao usar as palavras. Ele veste roupas da moda e pratica esportes radicais. Sai com mulheres exuberantes, bebe até cair e dirige um carro esporte. Tudo isso ela ouviu da Marcinha, a mulher que prepara o café da empresa.

Clarissa, por sua vez, encarnou o personagem de patinho feio que lhe deram no primário. Por mais que lhe dissessem o contrário e que quisesse acreditar, sentia-se desconfortável com a idéia de parecer bonita. As roupas eram sempre discretas, escondia-se atrás dos óculos e não usava maquiagem por achar que chamaria muito a atenção. Fumava escondida do chefe porque achava que era falta de profissionalismo e só bebia,  socialmente, quando estava entre amigos de muita confiança.

Ao perceber que estava sendo observado, Pedro foi até ela e começou a conversar. Quase não dava pra se ouvir as palavras com tanto barulho, então ele fez o convite para que tomassem um ar lá fora. Se fosse alguns minutos antes, ela descartaria, mas resolveu aceitar. Estava curiosa para saber o que ele diria naquela ocasião. No mais, ela havia bebericado alguns goles do uísque que ainda estava em suas mãos.

Foram, conversaram e Clarissa pensando quanto tempo mais levaria para que saíssem dali e fossem para a cama mais próxima. A cada baforada ou história que ele contava, por mais erradas que fossem as concordâncias, mais o queria. Queria os lábios, os braços fortes a tomando, queria sair dali. Entornou o uísqe que ainda restara no copo, respirou fundo e criou coragem para tomar as rédeas. ¨Vamos sair daqui?¨

Foram pra casa dele. No elevador, soltou as madeixas, tirou os óculos e o beijou. Tudo do jeito que ela queria. Tomou-a nos braços, entrou no apartamento, tirou o terno, gravata, a camisa de Clarissa e deitaram-se no sofá. Com os pés, jogaram os sapatos e as almofadas no chão, as roupas na mesa e se acariciavam como se o mundo fosse acabar ali. Beijos, abraços, carícias, arrepios. Amaram-se até a exaustão e adormeceram.

No dia seguinte, ela acorda, se veste e vai embora. Prefere pensar na hipótese de que nada de extraordinário  aconteceu. Vai pra casa, toma banho e pensa o que fará na segunda-feira. Ressaca, moral e física. Apesar das consequências, não tem queixas, afinal, mal lembrava a última vez que fe tal extravagância. Toma café e vai para o computador terminar sua planilha de custos.

Na segunda-feira, Clarissa fez o que faz todos os dias. Toma banho, café, escova os dentes, se arruma e vai trabalhar. Lamenta-se todos os dias por ficar mais de uma hora no trânsito num percurso de apenas 20 minutos. Chega no trabalho, cumprimenta todos, pergunta pra Marcinha quais as novas e vai até sua mesa. Exceto pelo fato de não ter ouvido nenhuma cantada matinal de Pedro, está tudo do mesmo jeito. Ignora o fato e vai trabalhar, já que não tem outro jeito. Algumas horas depois, alguém bate em sua porta. ¨Dormiu comigo noite passada, linda?¨

Ah, a rotina... Nada melhor que saber que tudo continua exatamente igual.


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Michelle Chieregatti

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