Parte IV
Acaba se rendendo ao cheiro que toma conta da casa e experimenta o café de Otávio. Acende um cigarro e ele a acompanha. Ele fica em silêncio por alguns segundos esperando que ela opinasse sobre o café. “Tenho que confessar que é o melhor café que tomo desde que minha avó morreu” diz Olívia com um sinceridade que há muito não fazia. Ele sorri. Aproveita essa brecha para fazer perguntas à Olívia. “Mudou-se para esse bairro por que?”. Ela pensa enquanto degusta o café. Aprendeu que para sentir o gosto das coisas precisa mantê-las na boca por um tempo. “Gosto daqui. Desde que mudei para essa cidade procuro por um lugar que se pareça com o lugar que vivi quando era criança. Em um dos meus passeios pela cidade, passei por aqui e me encantei. Não mudei antes porque não recebia o suficiente para alugar uma casa aqui e continuar comprando sapatos. Quando pude fazer os dois, não hesitei”. Acabou, sem querer, aumentando a conversa e o incentivando a perguntar mais. “O que você faz da vida?” perguntou Otávio curioso. “Faço muitas coisas sem importância e poucas com relevância. Escrevo romances para uma coluna no jornal da cidade, vou ao teatro, ao cinema e pretendo escrever um livro”, tenta encerrar por ali a conversa, mas ele quer saber mais. “Romances, adoro romances”. “Claro que adora, todos adoram romances” diz com uma ironia que o deixa desconfortável. “Como assim?” indaga. “As pessoas gostam de romances porque eles narram uma história de impossível acesso” diz Olívia. Ele ri, ela não gosta. “Talvez não aconteçam com você, mas acontece com a maioria das pessoas normais. Por isso elas gostam de romance, porque se identificam...” tenta explicar à Olivia. Ela está para poucas palavras agora, menos do que costuma estar e não fala nada. Acha melhor não destratar uma visita ainda mais depois de ter tomado um café tão bom. “Gosta de animais, Olívia?” tenta mudar a rota do assunto. “Sim” responde monossilaba. “Por que não tem nenhum, então?”. “Não tenho tempo para cuidar de um animal, acho absurdo alguém ter um animal por ter e trabalhar o dia todo, sem dedicar uma parte do tempo para ele” responde baixo e lentamente.
Otávio acha bonito essa calmaria que ela passa. Está tão acostumado com a correria, com pessoas gritando e xingando que se sente num mundo totalmente paralelo ali, ao lado de Olívia. “Tem família ou namorado aqui?” ele pergunta. “Aqui não, minha família mora em outra cidade” responde Olívia deixando no ar a resposta sobre o namorado. Olívia tem um problema grave de achar que as perguntas são feitas com segundas intenções e, quando realmente tem ,ela não sabe como se portar. “E namorado?” pergunta ele sem ligar em parecer inoportuno. “Se não tenho tempo para cuidar de um animal de estimação, como teria tempo para aventuras amorosas?” Olívia sempre responde com uma pergunta quando não sabe o que dizer. Eles se calam, ele enche a xícara de Olívia com mais café. Ela não queria mais, mas não recusou. Ele olha no relógio e diz que precisa ir embora e que tinha sido um prazer conhecê-la. Ela diz que foi recíproco e que espera vê-lo novamente. Acompanha-o até o portão e se despede.
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Olívia não brilha - Capítulo IV
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Um comentário:
Essa olivia não palita...
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